# 11 - A esperança é uma merda









«Mas demasiado tarde agora, à beira desta jangada de náufragos que o vento da realidade ia arrebatar. No meio dos escombros, as malas já fechadas, os caixotes atados com cordas, uma torrente de objectos flutuando ao sabor incoerente dos acontecimentos, no caos das notícias falsas, dos comunicados fabricados, dos artigos de propaganda, do ódio ao estrangeiro, da desconfiança dos espiões, dos comentários reles, da fome e do vazio, da falta de amor e de orgulho.»

# 10 - Dia dos namorados







«Os faróis dum avião a dez quilómetros de altitude, e um rumor dos jactos, como um móvel a ser arrastado no andar de cima. O avião vai de Lisboa para um sítio onde é manhã.
Uma vez no campo levámos cinco empadas para dois garrafões de cinco litros e ao fim de um certo tempo não sei se foi o Perneta... ou o Trombeiro ou o Tonel ou talvez o Besta Porca, não, o Pardoca, acho, ou o Banana, um deles, espera, o Parreirita e o Chiclete é que estavam lá, e alguém disse, e às tantas até foi o Jean Valjean:
- Olha um avião lá tão alto.
- E se ele agora explodisse no ar?..
- ... e caísse aqui uma hospedeira intacta!
Se tu caísses aqui intacta.
Muito pouco provável. Todas as estatísticas e números desmentem a possibilidade.»

# 9 - Um país, um povo






Uma história musicada de um país.

# 8 - O Carnaval





«…como uma criança que pára de correr, arrastando um bater alto de pés breves, e respirando curto...»

# 7 - Causa







«Quanto mais contemplo o espectáculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das coisas, mais profundamente me compenetro da ficção ingénita de tudo, do prestígio falso da pompa de todas as realidades. E nesta contemplação, que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá sucedido, marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos impérios e das culturas ― tudo isso me aparece como um mito e uma ficção, sonhado entre sombras e esquecimentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propósitos mortos, até quando conseguidos, deva estar na abdicação extática do Buda, que, ao compreender a vacuidade das coisas, se ergueu do seu êxtase dizendo «Já sei tudo», ou na indiferença demasiado experiente do inperador Severo: «omnia fui, nihil expedít — fui tudo, nada vale a pena». »

# 6 - Chico [Esperto]





«Talvez não fosses forte
para a felicidade,
nem para o medo.

Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa, erguem

muros, fecham as janelas,
o medo
é a sua fortaleza.

O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta»

#5 - Caminheiros







«Teve uma infância estranha», disse Austin. «Em última análise, todas as infâncias o são», disse Mister DeLuxe. «Molero Diz», disse Austin, «que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que transportava , muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, a asa tenra batendo à chuva»
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.