# 40 - Variações de António: Paulo.





Diz-me que solidão é essa 
Que te põe a falar sozinho
Diz-me que conversa 
Estás a ter contigo 

Diz-me que desprezo é esse
Que não olhas para quem quer que seja 
Ou pensas que não existes 
Ninguém que te veja 

Que viagem é essa 

Que te diriges em todos os sentidos
Andas em busca dos sonhos perdidos 

  Lá vai o maluco 
Lá vai o demente 
Lá vai ele a passar 
Assim te chama toda essa gente
 
Mas tu estás sempre ausente e não te conseguem alcançar

Diz-me que loucura é essa 
Que te veste de fantasia 
Diz-me que te liberta 
Da vida vazia 

Diz-me que distância é essa 
Que levas no teu olhar 
Que ânsia e que pressa 
Tu queres alcançar 

Que viagem é essa 
Que te diriges em todos os sentidos 
Andas em busca dos sonhos perdidos 

 Lá vai o maluco 
Lá vai o demente 
Lá vai ele a passar 
 Assim te chama toda essa gente 

Mas tu estás sempre ausente e não te conseguem alcançar
Mas eu estou sempre ausente e não conseguem alcançar 
Não conseguem alcançar

# 39 - A Utilidade do Humor





"... Do que a gente gosta é de histórias de pacóvios, pereiras, avós antigas, manicuras mal falantes, raparigas tontas engravidadas por malandros, cabeleireiras machistas, tudo o que nos faça dar graças pela nossa inteligência e superioridade, que ofereça algum consolo pela sorte que nos coube e que, volta e meia, dá ares de ser igualmente miserável. Do que a gente gosta é de pensar que está imune, acima ou adiante. É ilusão, mas ai de nós sem ela! Com que dignidade respiraria o homem douto descobrindo-se igual ao senhor Pereira? Seriam tão hermeticamente elevados os versos da poetisa que visse o esboço da sua melancolia nos olhos da rapariga tonta? Quem revela, de mote próprio e olhos nos olhos, a sua banalidade, o seu sonho idiota, as suas poses de pin up ao espelho, o orgulho bacoco com que tira o automóvel novo da garagem? Quem, enfim, confessa que, em dias de cansaço e descrença, pousa a espada sobre a cabeça dos inocentes?"

in Mãe Preocupada

# 38 - Epopeias







"But if there is around us a plethora of geniuses of varying greatness, what of it? Am I supposed to be impressed? The more of them there are, the worse it is. Or should I follow the precepts of a world which never changes, a world which kneels before the past and blindly accepts it, a world which is in awe of what it has created and treads on the heels of its great men, shouting bravo. And you would want me to join the pack? What a farce! The so-called genius walks along the street and one citizen nudges the other in the ribs and says: There is so and so - a great man! He goes to the theater and one schoolmarm pinches the other's sexless thigh and whispers: There he is - in that box! And the great man himself? Why, of course, he enjoys every moment of it. These people are right, after all, and he accepts their accolades as his due. He doesn't brush aside their adulation, and he doesn't blush. Why should he? He is a great man, after all!"

# 37 - Congresso Internacional do Medo






Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas

# 36 - Aprende a nadar, companheiro






Ei-lo: tardiamente chegado dos subúrbios
ao coração de tudo, ao centro das coisas,
pária das fábricas e da hulha,
da sua modesta infância
e do seu agregado proletário
arrastado por uma visão tardia,
pelo sorriso familiar da calçada,
não deixando de ser estranho
entre os párias urbanos
como um solipsismo,
como uma velha cabine telefónica
icónica mas não menos divergente
entre a gente.


Ele anseia por um lar
deixadas que foram várias casas bombardeadas
e a sirene infernal de alerta máximo
zumbindo nos corpos calcinados
dos lentos catres
onde as plúmbeas contorções
dos corpos são cubistas e cubistas
os catres sobre eles.


Ele está muito a tempo de alguma coisa
embora as pernas lhe vacilem,
apenas passou de além
para aqui com um fito
indeterminado, um modo de fazer sentido
sem a senha do passado necessário,
sem a cicatriz social,
sem um alinhavo de perfídia.
Este é um passageiro frequente dos faux-pas.
Uma prostituta faria os seus avanços
com mais segurança.

Poema de Daniel Jonas.

# 35 - Aceita






aceita que és só morada
de algo que muda e forja
e range e rasga
aceita que és miríade de algo
que dói e cala
e rumoreja e abala.


aceita que és só
um pedaço recrudescendo
num todo de tudo.
Poema da autoria da Sandra.

# 34 - The shadow of Tomorrow




Today is the shadow of tomorrow
Today is the present future of yesterday
Yesterday is the shadow of today.
The darkness of the past is yesterday.
And the light of the past is yesterday.
The days of yesterday all are numbered and summed
                                                                              in the word "once";
Because "once upon a time there was a yesterday."
Yesterday belongs to the dead,
Because the dead belongs to the past
The past is yesterday.

# 33 - Rest in peace Charley




Um dos maiores

# 32 - Isn't a pity?






«Enquanto estivermos a perder tudo bem, enquanto continuarmos a ser derrotados estamos a salvo. Alinhemos na facção de Tecnotron ou na de Naturachu, ser derrotados significa, tão-só, que ainda estamos vivos. Que haverá mais episódios. A vitória, como o encontro amoroso nas séries que vivem na tensão entre as duas personagens principais, é apenas sinal de que não haverá mais temporadas. Estarmos à beira do abismo significa isso mesmo: estamos à beira do abismo, não no abismo. Aleluia. Estamos vivos. Estar vivo é estar à beira do abismo. Não há alternativa. Afastemo-nos do abismo - e estamos mortos. Lancemo-nos no abismo e, provavelmente, vai dar ao mesmo.»

# 31 - Ouvir Sun Ra... e recuperar a "fé"











Ouve:
Como tudo é tranquilo e dorme liso.
Claras as paredes, o chão brilha,
E pintados no vidro da janela,
O céu, um campo verde, duas árvores.
Fecha os olhos e dorme no mais fundo
De tudo quanto nunca floresceu.

Não toques nada, não olhes, não te lembres.
Qualquer passo
Faz estalar as mobílias aquecidas
Por tantos dias de sol inúteis e compridos.

Não te lembres, nem esperes,
Não estás no interior dum fruto:
Aqui o tempo e o sol nada amadurecem.

# 30 - [Retomar] O paraíso na outra esquina


"Em breve, é isto mesmo que vos acontecerá, crianças inconsequentes. Serão como deuses - e nem isso será suficiente. Os vossos clones não terão umbigo, mas terão uma literatura umbiguista. Vocês também serão umbiguistas; serão mortais. O vosso umbigo cobrir-se-á de sugidade, e estará tudo dito. Será deitada terra sobre o vosso rosto."
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.