(...)
"- Permita-me que me apresente - falou. - Eu chamo-me Alexander fürst Pückler. O, como dizer?, criador desse gelado - falou - foi um antepassado meu, um fürst Pückler muito brilhante, grande viajante, homem ilustrado, cujas principais paixões eram a botânica e a jardinagem. Claro, ele pensava, se é que alguma vez pensou nisso, que passaria para a, como dizer?, história por algum dos muitos opúsculos que escreveu e publicou, crónicas de viagem principalmente, mas não necessariamente crónicas de viagem para uso, e sim livrinhos que ainda hoje são encantadores e muito, como dizer?, lúcidos, enfim, lúcidos dentro do possível, livrinhos onde parecesse que a finalidade última de cada uma das suas viagens fosse examinar determinado jardim, às vezes jardins esquecidos, abandonados por Deus, entregues à própria sorte, e cuja graça o meu ilustre antepassado sabia encontrar no meio de tanto mato e de tanto desleixo. Os seus livrinhos, apesar do seu, como dizer?, revestimento botânico, estão cheios de observações engenhosas e através deles pode-se ter uma ideia bastante aproximada da Europa do seu tempo, uma Europa muitas vezes convulsa, cujas tempestades em certas ocasiões chegavam aos limites do castelo da família, situado, como o senhor deve saber, nas proximidades de Görlitz. Claro, o meu antepassado não era alheio às tempestades, do mesmo modo que não era alheio às vicissitudes da, como dizer?, condição humana. E portanto escrevia e publicava e à sua maneira, humilde mas com boa prosa alemã, alçava a voz contra a injustiça. Creio que não lhe interessava saber para onde vai a alma quando o corpo morre, embora também tenha escrito algumas páginas sobre isso. Interessava-lhe a dignidade e interessavam-lhe as plantas. Sobre a felicidade não disse uma palavra, suponho que porque a considerava algo estritamente privado e talvez, como dizer?, pantanoso e movediço. Tinha um grande sentido de humor, embora em algumas das suas páginas me pudesse contradizer com facilidade. E, provavelmente, já que não era um santo nem tampouco um homem valente, deve ter pensado sim na posteridade. No busto, na estátua equestre, nos in-fólios guardados para sempre numa biblioteca. O que nunca pensou foi que passaria para a história por dar o nome a uma combinação de gelados de três sabores. Isso eu posso garantir-lhe. E então, que acha?"
"- Permita-me que me apresente - falou. - Eu chamo-me Alexander fürst Pückler. O, como dizer?, criador desse gelado - falou - foi um antepassado meu, um fürst Pückler muito brilhante, grande viajante, homem ilustrado, cujas principais paixões eram a botânica e a jardinagem. Claro, ele pensava, se é que alguma vez pensou nisso, que passaria para a, como dizer?, história por algum dos muitos opúsculos que escreveu e publicou, crónicas de viagem principalmente, mas não necessariamente crónicas de viagem para uso, e sim livrinhos que ainda hoje são encantadores e muito, como dizer?, lúcidos, enfim, lúcidos dentro do possível, livrinhos onde parecesse que a finalidade última de cada uma das suas viagens fosse examinar determinado jardim, às vezes jardins esquecidos, abandonados por Deus, entregues à própria sorte, e cuja graça o meu ilustre antepassado sabia encontrar no meio de tanto mato e de tanto desleixo. Os seus livrinhos, apesar do seu, como dizer?, revestimento botânico, estão cheios de observações engenhosas e através deles pode-se ter uma ideia bastante aproximada da Europa do seu tempo, uma Europa muitas vezes convulsa, cujas tempestades em certas ocasiões chegavam aos limites do castelo da família, situado, como o senhor deve saber, nas proximidades de Görlitz. Claro, o meu antepassado não era alheio às tempestades, do mesmo modo que não era alheio às vicissitudes da, como dizer?, condição humana. E portanto escrevia e publicava e à sua maneira, humilde mas com boa prosa alemã, alçava a voz contra a injustiça. Creio que não lhe interessava saber para onde vai a alma quando o corpo morre, embora também tenha escrito algumas páginas sobre isso. Interessava-lhe a dignidade e interessavam-lhe as plantas. Sobre a felicidade não disse uma palavra, suponho que porque a considerava algo estritamente privado e talvez, como dizer?, pantanoso e movediço. Tinha um grande sentido de humor, embora em algumas das suas páginas me pudesse contradizer com facilidade. E, provavelmente, já que não era um santo nem tampouco um homem valente, deve ter pensado sim na posteridade. No busto, na estátua equestre, nos in-fólios guardados para sempre numa biblioteca. O que nunca pensou foi que passaria para a história por dar o nome a uma combinação de gelados de três sabores. Isso eu posso garantir-lhe. E então, que acha?"
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