# 97 - Tempo


"O tempo é um velho corvo
de olhos turvos, cinzentos.
Bebe a luz destes dias só dum sorvo
como as corujas o azeite
dos lampadários bentos.

E nós sorrimos,
pássaros mortos
no fundo dum paul
dormimos.

Só lá do alto do poleiro azul
o sol doirado e verde,
o fulvo papagaio
(estou bêbado de luz,
caio ou não caio?)
nos lembra a dor do tempo que se perde."

# 96 - Demora tempo a sermos Homens


(...)

(A vida cai morta. Assim que a Vida cai, entra pela porta do berço o Mordomo, que se vai prostar à porta da tumba, fazendo repetidas reverênciasm quando a Morte, arrastando a Vida, abandornar a cena)
 
MORTE
Vês como falham os projetos fúteis,
Que, por vaidade, disseste ter feito?
Não têm base, grandezas inúteis,
Caem por si: só eu as aproveito.

(A Morte leva a Vida de rastos pela porta da tumba, desaparecendo ambas da cena. O Mordomo dirige-se então para a porta do berço, dando entrada, com repetidas vénias, à Vida Útil)

VIDA ÚTIL
Sou a verdadeira vida,
 Limpa, sem hipocrisias,
Completamente despida
De sofismas, fantasias,
Pelas quais fui impedida
De melhorar nossos dias.

(reparando no Mordomo)

Você, que faz?...

MORDOMO
(enfático)
Cumprimentos,
Vénias e mais cortesias;
Conforme as categorias;
Assim faço os cumprimentos.

VIDA ÚTIL
Mas quem é? Aguarda alguém?

MORDOMO
Sou o preconceito, eu...

VIDA ÚTIL
(interrompendo)
Siga, que também morreu,
Já não faz falta a ninguém,
Vá atrás da vida morta.

(o Mordomo procura sair pela porta do berço, mas a Vida Útil opõe-se, indicando-lhe a porta da tumba)

Saia por aquela porta,
porque é inútil também.

(o Mordomo sai então pela porta da tumba, muito abatido)

Viram como sucumbiu?...
A vida dos artíficios,
Das ilusões e dos vícios,
Como era falsa, caiu.

Há-de cair, recair,
Até se regenear,
Para que possa ficar
Como há-de ser no porvir.

Eu sou a vida a seguir,
Escola da humanidade;
Sou aquilo que a vaidade
Não conseguiu destruir.

Sou a vida; vou seguindo
Com vontade e persitência,
Aos vindouros transmitindo
Todo o bem quanto a ciência
P'ra o mundo for produzindo.

CAI O PANO

# 95 - O resto é silêncio (que resto?)


"Volto, pois, a casa. Mas a casa,
a existência não são apenas coisas que li?
E o que encontrarei
se não o que deixo: palavras?

Eu, isto é, palavras falando,
e falando me perdendo
entre estando e sendo.
Alguma vez, quando

havia começo
e não inércia
quando era cedo
e não parecia,

as minhas palaras puderam estar
onde sempre estiveram:
no apavorado lugar
onde sou o silêncio."

# 94 - O vírus Pedro & Inês e a "arte" de governar



REI: Ninguém menos é rei, que quem tem reino. Ah, que não é isto estado, é cativeiro,de muitos desejado, mas mal crido,uma servidão pomposa, um grã trabalhoescondido sob nome de descanso.Aquele é rei somente que assi vive(inda que cá seu nome nunca s’ouça)que de medo, e desejo, e d’esperançalivre passa seus dias. Ó bons dias,com que eu todos meus anos tão cansadostrocara alegremente! Temo os homens,com outros dissimulo; outros não possocastigar, ou não ouso. Um rei não ousa.Também teme seu povo, também sofre.Também suspira, e geme, e dissimula.Não sou rei, sou cativo: e tão cativocomo quem nunca tem vontade livre.
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.