Dissimulamos, mas no nosso dissímulo
não há engano, embora, encolhidos,
também a nossa rejeição se vinge.
Dissimulamos
porque não podemos agir de outra maneira,
sem forças para alterar agora o curso
tendencioso das coisas,
e esperamos, no duelo,
que a sorte inverta a sua andadura
e nos oferça um errar menos perverso
onde assestar de novo os nossos dardos.
Dissimulamos porque ainda temos força
para levar em frente, altivos, o nosso duelo,
para, chorando a sós,
suportar a dor com digno semblante.
Talvez com outra têmpera pudéssemos virar
o curso inelutável da vida
e fazê-lo rodar mais sorridente.
Talvez, com outros actos, pudéssemos cavar
um outro sulco mais fértil e nele, afinal,
colher menos enganos.
Não é certo. Talvez o seja, às vezes.
Não pretendemos esborratar os nossos passos
para que pareçam mais incertos.
Demo-los, e a eles nos sujeitamos,
mas não mereciam tanto duelo.
Não somos culpados de um errar pouco temeroso,
de um sofrer próprio e alheio. Não queremos
ser culpados de existir,
não aceitaremos esse dislate.
Arriscámos, sem mais acerto,
num devir demasiado rigído,
demasiado tendencioso da vida,
mas mesmo na própria dor
olhamos altivos o seu curso e maldizemos,
não os nossos desencontros,
mas apenas o seu errar previsto,
sem aceitar culpa nenhuma de estar vivos.
Não pediremos perdão por termos sido.