# 72 - Alucinar o estrume



"No tocante à agro-pecuária, há uma história de três linhas que já se tornou um clássico. É essa em que à pergunta «De onde vem o leite?» muitas crianças respondem, sem titubear: «Do supermercado.». Noutras versões, a resposta é «Do pacote» (nos casos em que as crianças demonstram miopia precoce, hoje corrente), «Da Internet» (quando os pais recorrem às compras electrónicas) ou até «Da avó» (se for a avó a levar o leite para casa).

Mas esta questão, já com alguma longevidade, mormente nas metrópoles mais desenvolvidas, está a preocupar muitíssimas pessoas, em particular educadores de infância, certos pais (e até mães) e, nalguns casos, engenheiros de empresas leiteiras ou de fábricas de pacotes. E o diversificado conjunto de pessoas que com isto se preocupa decidiu tomar iniciativas, para enfrentar um problema civilizacional que ultrapassa as fronteiras de vários continentes, correndo o risco de alastrar aos restantes e às estações orbitrais.

(...)

consiste em montar quintas de pequena dimensão nos arrabaldes (ou periferias) das grandes cidades onde ainda haja alguns terrenos provisoriamente não destinados de imediato à construção de prédios, designados «espaços baldios» (ou mais propriamente stand-by barrens). Nesses terrenos, a referida fundação, cujo nome contamos conhecer em breve, vai instalar estábulos chamados «vacarias», onde ficarão à disposição grupos de vacas leiteiras pedagógicas, bem como equipas de pessoas chamadas «ordenhadoras», as quais, além de darem comida aos animais e limparem as respectivas «camas» (nome técnico), têm a missão de as «ordenhar» (idem), em conformidade com um organigrama destinado a receber grupos de crianças de creches e escolas que para ali deverão ser deslocados, quer queiram ou não queiram. Uma vez posto de pé esse complexo sistema, o restante programa deverá tornar-se bastante praticável: as crianças, em molhinhos cujo número ainda não foi superiormente decidido, são transportadas até aos estábulos, sentadas em banquinhos em redor de cada uma das vacas e, depois de silenciadas, sujeitas a uma aula, para aprenderem o novo paradigma segundo o qual «o leite vem da vaca», alterando-se assim prodigiosamente o conhecimento que até então possuíam. Alguns proeminentes pedagogos já tiveram oportunidade de declarar em diversos suportes que se trata de uma «verdadeira revolução nos níveis contemporâneos de conhecimento nivelado»."


# 71 - Este fado de 35 primaveras que vos deixo...



"Assim que nascemos, choramos por nos vermos neste imenso palco de loucos." 
William Shakespeare

O fruto de um tempo...




... florindo noutro...

# 70 - Estação Agronómica



«MOTE

— Onde nasceu a ciência?...
— Onde nasceu o juízo?...
Calculo que ninguém tem
Tudo quanto lhe é preciso!

GLOSAS

Onde nasceu o autor
Com forças p'ra trabalhar
E fazer a terra dar
As plantas de toda a cor?
Onde nasceu tal valor?...
Seria uma força imensa
E há muita gente que pensa
Que o poder nos vem de Cristo;
Mas antes de tudo isto,
Onde nasceu a ciência?...

De onde nasceu o saber?...
Do homem, naturalmente.
Mas quem gerou tal vivente
Sem no mundo nada haver?
Gostava de conhecer
Quem é que formou o piso
Que a todos nós é preciso
Até o mundo ter fim...
Não há quem me diga a mim
Onde nasceu o juízo?...

Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário...
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.

Ao primeiro homem sabido,
Quem foi que lhe deu lições
P'ra ter habilitações
E ser assim instruído?...
Quem não estiver convencido
Concorde com este aviso:
— Eu nunca desvalorizo
Aquel' que saber não tem,
Porque não nasceu ninguém
Com tudo quanto é preciso!»
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.