1.
Na acelaração da velocidade
que a máquina omnipresente ordena,
já rumo a Marte e acumulando drestroços
vamos morrendo um pouco mais
uns para os outros.
Por falta de tempo.
Com a exaustão a apoderar-se
do âmago do mundo,
na lunar paisagem interior
alastram os buracos negros
por onde a luz se despenha,
2.
Não sabemos ainda
para que mundo opaco nos arrasta
o peso sombrio
do nosso obscuro coração.
Não sabemos
que estranhas substâncias
nos deslocam,
que inquietas ambições
nos mobilizam
por sobre a devastada
imensidão da terra
- rumo a esse antro
onde para sempre
iremos residir.
3.
Erguer o ar que a voz impele
com o seu sopro
- esta voz nua, desarmada,
cujo incerto destino
nos deixa entregues uns aos outros
como oferenda sagrada
ou pulsação de guerra.
Erguer o ar assim lavrado
pela fome e a sede de outro mundo neste,
um ar que limpe e nos liberte,
do grande medo
que vai trancando as portas
na geografia
do nosso próprio rosto.
4.
Quando emudece o ar
e sobre a terra se petrifica o silêncio -
quando o sopro se esvanece nos incectos
e na espessura se some a sua vibração -
quando a água pára, retesada,
e o seu movimento se suspende -
quando as árvores se calam
e as raízes, quietas, ficam de atalaia -
o furor mecânico dos homens
vai atingir um novo patamar.
5.
Quem não quer morrer
ficando em vida
e se debate
a meio do histérico desprezo
que a opulência cria -
quem nega o desespero
de ver um dia iluminado e livre
o rosto humano,
sagrada e fulgurante
a terra que nos nutre -
tem de acreditar
no corpo crepitante das crianças,
na dádiva de luz
que irrompe
do seu lume.