# 78 - À espera de Godot





"Atendendo bem, é nesta gente derramada para fora do mercado e que escorre pela ladeira lateral, sentada no murete, sentada no chão, nesta gente que parece ser de outro tempo, não ser daqui, homens de chapéu, mulheres de escuro, lenço preto na cabeça, que propõem humildes couves a quem passa, cebolo, alhos para dispor, sementes de alface, pés de tomate, árvores pequeninas ávidas de terra, é nestas mãos gretadas, calosas, grossas, é daqui que ele suspeita derivar, é destes que ele sente ser pertença.
Levado na convincção de identidade rodopia com estes corpos velhos, vergados por afazeres chãos, num redemoinho endiabrado por feiras e festanças, bailaricos, pisas, desfolhas, crendices, procissões, milagres. Morre e ressuscita numa dança enlameada sobre as árvores, os campos, as casas, os currais. Com burros, porcos, galinhas, vacas e outras gémeas criaturas. E canta a terra. E crê na terra.
Por momentos."
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.