# 103 - Da eternidade



"Numa perseguição sem tréguas a Heitor pressionava o veloz Aquiles.
Tal como quando nas montanhas o cão espanta um gamo de veado,
levantando-o do seu leito, e persegue-o através de clareiras e vales;
e embora o gamo lhe escape, oculto no matagal,
o cão lhe descobre o rastro e corre até o encontrar —
assim Heitor não conseguiu esconder-se do veloz Pelida.
Quantas as vezes que ele tentava correr até aos portões
dos Dárdanos para se abrigar nas muralhas bem construídas,
na esperança de que os de cima repelissem Aquiles com dardos,
tantas eram as vezes que Aquiles se lhe antecipava, obrigando-o
a voltar para a planície. E ele não parava de correr ao lado da cidade.
Tal como quando num sonho quem persegue não alcança quem foge,
mas nem um consegue fugir, nem o outro consegue perseguir.
assim nem com os pés Aquiles alcançava Heitor, nem este escapava.
Ora como é que Heitor teria escapado do destino da morte,
se Apolo, pela última e derradeira vez, se não tivesse
dele aproximado, para lhe fortalecer e aligeirar os joelhos?

Mas o divino Aquiles fazia sinal ao seu povo com a cabeça,
e não autorizava que alvejassem Heitor com dardos amargos,
não alcançasse outro a glória, vindo ele como segundo.
Mas quando pela quarta vez chegaram às nascentes,
foi então que o Pai levantou a balança de ouro,
e nela colocou os dois destinos da morte irreversível:
o de Aquiles e o de Heitor domador de cavalos.
Pegou na balança pelo meio: desceu o dia fadado de Heitor
e partiu para o Hades. E Febo Apolo abandonou-o."
Fragmentos de «uma autobiogradia sem factos». De Bernardo Soares. Mas também de outros.
Dia sim, dia não. Dia sim, dia sim. Dia não, dia não. Quando eu quiser.
Este é o momento para o cigarro que não fumo.
Inspirar [fundo], expirar [calmamente].
Ouvir, em vez dos pássaros, o som ordenado das pautas escritas com os punhos dos Homens.
Qualquer relação entre texto e música poderá ser mera coincidência (ou não).




Disclaimer 1: Este espaço serve ao autor para uma "releitura" de trechos de textos literários ao som de peças musicais, numa conexão que poderá parecer não ter sentido para o leitor. Uma explicação poderá ser encontrada após o contacto com o animador do blog. Ou não.

Disclaimer 2: Os textos, registos sonoros e audiovisuais aqui utilizados pertencem exclusivamente aos seus autores originais.

Disclaimer 3: A imagem que ilustra o topo desta página pertence ao magnífico trabalho de Manuel Casimiro.